De Francisco Morato Para o Mundo: Ronaldo Rodrigues Alves Braga

Ronaldo Silva foi bolsista do Instituto Semear em 2014, hoje é formado em Ciências Sociais pela USP, com intercâmbio na Sciences Po Paris. Atualmente, cursa Mestrado em Administração Pública na Universidade de Columbia, em Nova York, com foco em Práticas de Desenvolvimento. Foi responsável por implementar projetos de recomposição de aprendizagem e equidade racial em mais de 25 territórios no Brasil, atuando em ONGs como Fundação Lemann, Instituto Gesto e Vetor Brasil. Em Columbia, é o primeiro brasileiro a presidir a LASA e cofundador da Afro-Brazilian Alliance. Após o mestrado, planeja ganhar experiência como consultor nos EUA antes de voltar ao Brasil para atuar no governo. Confira na íntegra o relato emocionante deste jovem visionário.

A trajetória de um jovem talento

Eu sou de uma cidade que fica na Grande São Paulo, ela se chama Francisco Morato. É uma cidade interessante porque é a cidade mais pobre da Grande São Paulo. Já foi uma das cidades mais violentas também. Nos anos 90, foi reconhecida pelas chacinas e é um lugar muito difícil de se morar. Eu gosto de usar estatísticas porque pessoas de outros contextos entendem melhor, por exemplo, o IDH. O IDH da Etiópia hoje é de, se eu não me engano, 0.448 ou algo assim. O IDH do Haiti, depois do terremoto, também é por essa faixa. O IDH de Francisco Morato era, na época da minha infância, 0.444. Era menor do que o da Etiópia, do Haiti e de vários outros países. E as pessoas olham e ficam: “Nossa”.

Eu fui criado pela minha mãe e junto com o meu irmão mais velho. E aí, eu estudei em escola pública também. Só que eu tive um privilégio, que é: minha mãe era professora de natação, então ela sempre me envolveu com esporte. Minha mãe me ensinou através do esporte. Então, sete horas do meu dia eram dedicadas à natação. Eu ia para a aula e só dormia. Eu tinha muita dificuldade porque estava sempre cansado. Eu não conseguia prestar atenção. Já estava no primeiro ano do ensino médio, achando que minha vida tinha acabado.

Eu falei com a minha mãe: “Olha, não quero mais nadar. Me aposentei. Eu quero estudar.” Então, essa é uma parte. A outra parte é que, ao mesmo tempo que eu decidi que queria estudar, eu tinha um professor que acreditou em mim. Foi meio que o único que olhou assim e falou: “Esse menino tem potencial”, não sei o que ele viu.

Mas ele me chamou para fazer um simulado da Fuvest, que é o vestibular para entrar na USP. E eu fiz e fui muito mal, então pensei: “Preciso fazer alguma coisa na minha vida.” Decidi que, ao invés de estudar para a USP, começaria a estudar para mudar de escola. Aí eu apliquei para uma escola técnica, fiz a prova e passei por um ponto de diferença. Se eu tivesse errado uma questão, eu estaria fora do processo. E aí minha mãe falou: “Foi na mão de Deus, filho.”

Eu ficava o dia todo na biblioteca. Às vezes eu nem conseguia estudar, mas fingia que estava estudando. Pensando: “Vai fingindo. Alguma hora vai acontecer.” Eventualmente, eu comecei a entender, e no segundo ano do ensino médio, já nessa nova escola, eu fiz o vestibular da USP e passei na primeira fase. Fui o único a passar na primeira fase. E aí fui aprovado. Depois da segunda fase finalmente a ficha caiu. Todo o esforço deu certo. Eu não estava mais fingindo, era uma realidade. Então, seu sonho está realizado, Ronaldo. Parabéns, agora você precisa sonhar outra coisa.

Nesse momento eu pensei: “Eu quero estudar fora.” Só que fui para o terceiro ano do ensino médio, e aí caí na realidade que é: “Como você vai estudar fora se você não sabe inglês?”. Eu sabia muito pouco de inglês. Então comecei a estudar inglês, acreditando que ia conseguir. E aí veio uma ficha que caiu para a maioria dos jovens brasileiros, que é: eu não tinha dinheiro para absolutamente nada das applications. Então, fui atrás disso. Mas eu estava meio fora dos prazos. Então, uma das atendentes falou:
— Como você está fora do prazo, você precisa ter iniciado o seu application.
Aí eu falei 

— Com todo respeito, moça, como que eu vou começar meu application se eu não tenho dinheiro para começar?
Ela falou:
— Não, mas você está fora do prazo das inscrições, então você tem que estar com o application, você tem que ter iniciado e já ter pago as coisas para a gente poder te apoiar.
Eu falei:
— Mas moça, você não entendeu. Eu não tenho dinheiro para pagar para começar.
Então virou meio ovo e galinha, assim.
E aí entrei na minha primeira barreira.

Eu fui no Google, procurei como estudar fora, sites, lugares. Eu achei um lugar que ficava na Zona Sul de São Paulo, e eu não sabia muito disso, mas falei: “Eu vou lá.” Só que foram umas quatro horas de viagem. Saí de manhã e cheguei lá à tarde. Aí, eu lá, molhando o sofá deles de chuva e terra, subi e fui conversar com esse coordenador, que era o Bruno. E aí ele falou:
— Tá, por que você veio aqui?
Eu olhei para ele e falei:
— Porque meu sonho é estudar nos Estados Unidos.
Então ele deu risada.
— Já tentou? Você sabe do TOEFL, das provas? Qual seu desafio?
— Ah, não tenho dinheiro.
— Você já tentou oportunidades acadêmicas?
— Já tentei.
— E aí deu certo?
— Não.
— Realmente, não tem mais nada que eu possa fazer.
— Deve ter alguma coisa, eu não vou sair daqui. 

E fiquei sentado lá esperando, não ia sair de lá até ele me falar o que fazer. 

Aí ele falou:
— Ah, tem um programa chamado Jovens Embaixadores, que é uma parceria do governo brasileiro, de empresas parceiras e a embaixada americana, que envia jovens brasileiros de baixa renda para os Estados Unidos por um mês, uma espécie de missão diplomática. Você mora com uma família, é tudo pago. 

Nessa parte do “tudo pago”, eu quase chorei, pensei: “Meu Deus, que legal.” E é uma chance boa, não é a mesma coisa de estudar fora, mas pode abrir portas.

Apliquei e fui passando de etapa em etapa. Até que começaram as provas e demorei quatro horas para chegar num dos lugares de aplicação, sem comer, sem beber água, fiz mais quatro horas de prova, saí de lá, fazendo jejum. Eu estava com tanta fome que tremia enquanto escrevia. Eu falei: “Isso nunca vão entender minha letra.” Fiquei tremendo e tentando fazer as oito redações.

Só que acabei não passando. Era a minha última chance de tentar também, porque era só para o ensino médio.

Mas uma pessoa que trabalhava no consulado veio conversar comigo. Ela falou:
— Vamos pensar aqui comigo, você já passou na USP, né?
— É.
— Se você passar nos Estados Unidos, em qualquer universidade, você ainda vai ter que pagar tuition. Você não tinha dinheiro nem para pagar a prova de inglês, imagine pagar tuition.
Aquilo me pesou muito.
Eu pensei “Como eu vou pagar algo assim?”


Não, realmente eu não tinha condições. Então eu só apliquei para a USP, pensando que já que eu não vou conseguir isso de estudar fora, só vou fazer o vestibular da USP e acabou.
Então eu fiz e passei em terceiro no meu curso, que era Ciências Sociais. Eu queria estudar Ciências Sociais porque eu achava que era o curso que ia mudar o mundo.

Na época, eu tinha interesse por diplomacia. Para diplomacia, eu precisava aprender francês. E comecei a usar francês, antes de passar na USP, sozinho também. E aí fiz uma metodologia em que tudo que eu tinha que estudar eu fazia ou em inglês ou em francês. Por exemplo, eu tinha uma matéria em que eu tinha que estudar Rousseau. Eu estudava Rousseau em francês.
Ficava com o dicionário do lado e o livro do outro, e ficava lá lendo o negócio. Várias vezes tirei nota baixa por causa disso. Eu explicava para os professores e eles me davam sempre uma segunda chance de fazer outra prova, mas fui levando assim.

No terceiro ano da faculdade, resolvi aplicar para Sciences Po e para outras universidades na França para um intercâmbio. E, enfim, não passei na Sciences Po de primeira. Eram só duas vagas. E eu não passei.
Mas, uma semana depois, me ligaram e falaram o seguinte:
— Ronaldo, você não passou na Sciences Po, mas…
E veio um grande mas.
— A gente gostou muito do seu application, do seu projeto, você tem o melhor nível dos candidatos, só que sua nota não era maior.
Minha nota não era maior porque eu fazia todas essas loucuras, de tipo, ler tudo em francês, ler tudo em inglês. Isso afetava minha compreensão, nem sempre tirava as melhores notas.
Ela falou:
— Sua nota não era maior, por isso você não conseguiu a vaga. E o único critério que a USP usa para alocar para intercâmbio era a nota. Só quero falar que a gente vai fazer uma exceção e, ao invés de duas vagas, vamos te colocar como a terceira vaga para o Sciences Po. E se eles falarem que não, a gente retira você do processo de novo.

Colocaram meu application e não só eu passei, como a pessoa do Admissions lá da Sciences Po mandou um e-mail só para mim, me elogiando.

Faça parte da mudança

Ronaldo é um dos líderes multiplicadores incentivados pelo Semear durante o início de sua jornada acadêmica. Esses jovens talentos muitas vezes têm sua trajetória interrompida pela falta de apoio e verba, por isso em 2025 queremos garantir que 250 jovens possam continuar sonhando e impactando a sociedade de forma positiva e duradoura. 

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